Introdução
Games são, antes de tudo, uma narrativa, embora, alguns não pensem neles dessa maneira. Contudo, são sim, uma narrativa visual interativa.
O modo mais obvio de se pensar na forma como os jogos contam suas histórias são as cut scenes, animações que entremeiam os games, trazendo cenas adicionais sobre a história.
As cut scenes usam os mesmos recursos de outras mídias que podem ser classificadas como narrativas visuais: cinema, televisão ou mesmo quadrinhos. Esses recursos podem ser, por exemplo, composição de enquadramentos, eixos, cortes, elipses temporais, ações paralelas, efeitos sonoros, uso de cores, luz e sombras.
Entretanto, os games também desenvolveram maneiras próprias de criar elementos que podem ser interpretados como narrativos, como a aplicação de caixas de diálogos entre personagens, muito comuns em jogos de RPG (role playing game). Ou as barras de status, que contam se o personagem está “morrendo” em uma luta ou se tem poder suficiente para lançar um determinado golpe.
Games e Narrativa: A Jornada do Herói
Contudo, quando pensamos narrativa em games, sempre pensamos primeiro em jogos que possuem uma história estruturada com um começo meio e fim. Mesmo que algumas quests paralelas podem ser adicionadas ao enredo. Dessa forma, RPGS e jogos de aventura são lembrados como exemplos narrativos.
Esses tipos de games possuem, em grande parte, uma estrutura muito utilizada em livros, filmes, quadrinhos e também encontrada nas mitologias espalhadas pelo mundo.
Essa estrutura foi descoberta pelo estudioso Joseph Campbell, e descrita em seu livro “O Herói de Mil Faces”. Ela é conhecida popularmente como a “Jornada do Herói”. Ela pode, em suma, ser descrita da seguinte maneira: um herói deixa o seu mundo cotidiano para se aventurar em um novo universo mágico, sobrenatural e fantasioso; ele enfrenta várias adversidades e perdas, sendo auxiliado por aliados, mentores e forças miraculosas até alcançar o seu objetivo; ao final, retorna transformado de sua aventura, algumas vezes dotado de um status superior aos demais humanos, como um semideus, por exemplo.
Jogos como Chrono Trigger ou os da série Final Fantasy utilizam esse tipo de estrutura explicitamente. O player assume o controle de um personagem que sai em uma jornada, encontrando aliados e inimigos, sendo transformado no processo. Mesmo que essa transformação seja a mudança de level.
God of War e a Jornada do Herói
Um dos exemplos mais famosos da “Jornada do Herói” nos games seja, talvez, God of War. Para quem não conhece, o protagonista, Kratos, era um capitão espartano que, após muitas vitórias, quase morre pelas mãos do Rei Bárbaro. Ao pedir auxilio a Ares, este lhe concede invencibilidade em troca de submissão. Kratos cumpre o acordo, contudo o Deus da Guerra o engana e faz Kratos assassinar sua família. Com isso, o espartano, com o aval de Athena, decide matar Ares para se tornar, ao fim do jogo, o novo Deus da Guerra. E isso, é apenas o plot do primeiro jogo da série.
Agon: A Narrativa mais básica
Todavia, existe outra maneira de se pensar no conceito de narrativa que vai além de contar enredos com tramas complexas. Existe, nas raízes dos games e histórias, um dos primeiros e mais básicos tipos de drama: o agon. Essa palavra grega pode ser compreendida como luta ou competição. Diversas vezes entre forças opostas, dualidades que as pessoas criam constantemente para interpretar a realidade, como, por exemplo, bem versus mal, belo versus feio. Desse modo, para que um videogame funcione, deve conseguir desenvolver bem essa disputa entre forças opostas.
Assim sendo, a pesquisadora Janet Murray, utilizando o conceito de agon, compreende que a existência de um conflito sempre traz uma narrativa, mesmo que simplificada.
Como, por exemplo, tentar sobreviver a uma emergência. Arriscar-se e ser recompensado. Reconstruir um mundo em ruínas. Lutar contra um antagonista poderoso. Ou mesmo, passar por um teste de habilidade e raciocínio. Dentro dessa ideia, até mesmo jogos como Tetris ou Candy Crush, possuem uma narrativa básica.
Games e Narrativa: Estrutura em 3 Atos
Outro aspecto que aproxima as narrativas tradicionais e as interativas dos jogos, principalmente daquelas que possuem uma história de fundo mais complexa, é o uso da estrutura de três atos, pontuada por Aristóteles. Até os dias de hoje, os autores utilizam essa estrutura, tanto em filmes hollywoodianos quanto em livros, por exemplo. Os autores separam a trama em: 1º ato: Situação Inicial / Introdução; 2º ato: Desenvolvimento / Conflito / Clímax; 3º ato: Conclusão / Situação Final.
Quem já jogou games como Silent Hill,The Last of Us, GTA: Grand Theft Auto, Borderlands, The Witcher, entre outros, consegue facilmente identificar essa estrutura de três atos apontada por Aristóteles.
Games e Narrativa: Quebra da Quarta Parede
Uma das particularidades marcantes da narrativa interativa dos games, especialmente nos jogos de perspectiva em primeira pessoa, é a quebra da quarta parede. Como por exemplo, Mirror’s Edge, Call of Duty ou Doom.
A quebra da quarta parede se dá quando os personagens interagem com o espectador ou com o autor, ou quando eles possuem consciência de que são personagens ficcionais.
Nos games, a quebra da quarta parede é uma forma de proporcionar ao jogador a sensação de pertencer àquele mundo, aumentando sua imersão. É como se, por exemplo, quando os personagens dos jogos se dirigem diretamente ao jogador o tornam parte de “cyberworld”. E de uma maneira mais íntima que nas demais mídias.
Conclusão
Em suma, os games demonstram um potencial narrativo imenso e multifacetado. Portanto, não é por acaso, que, conforme já mencionamos aqui no Pátio Digital, é um dos mercados que mais se desenvolve e lucra no mundo, mesmo em meio à Pandemia.
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